Da série quando viajar é mais do que trocar de lugar: é abrir caminhos para o conhecimento e descobrir histórias que moldam povos e cidades, encontrei em Tirana, na Albânia, uma cidade que surpreende pela maneira como integra arte, arquitetura e memória coletiva em sua paisagem urbana.
Na confluência entre arte e arquitetura, as ruas da capital albanesa — com seus cerca de 900 mil habitantes — se transformam em uma verdadeira galeria a céu aberto. Entre esculturas vibrantes e edifícios que se impõem como ícones culturais, Tirana revela como a cidade pode ser palco de experimentação artística, assim como já acontece em Belo Horizonte com os murais do Circuito Urbano de Arte, os prédios de Niemeyer com suas curvas e o diálogo constante entre patrimônio e intervenção urbana.
1- Edifícios que se tornam arte
Mas Tirana vai além das esculturas de rua. Alguns de seus edifícios se transformam em obras de arte monumental. É o caso do Edifício Skanderbeg, também chamado de Rocha de Tirana, projetado em 2018 pelo escritório holandês MVRDV.
Com 85 metros de altura e 35 mil metros quadrados de uso misto (residencial, comercial e varejo), o arranha-céu foi esculpido em forma de rosto, retratando Gjergj Kastrioti (1405–1468), o lendário Skanderbeg — herói nacional da Albânia. Suas varandas curvas se integram à estrutura criando a silhueta facial do líder militar que, no século XV, unificou clãs e resistiu ao Império Otomano.
Trata-se de um dos maiores edifícios do mundo a assumir função escultórica. A técnica se relaciona ao que especialistas chamam de zoomorphic architecture, quando formas arquitetônicas evocam elementos naturais ou orgânicos. Nesse caso, não apenas orgânicos, mas humanos. É como se a cidade ganhasse um guardião em sua própria paisagem.
Esse recurso remete, ainda que em outra escala, ao impacto que o Edifício Niemeyer na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, tem na identidade da capital mineira: um marco arquitetônico que transcende função e se torna símbolo, com suas curvas e brises horizontais, que foram inspirados nas montanhas mineiras e criam um movimento dinâmico e uma rica experiência arquitetônica no interior. Por mais que não seja formato de faces dos heróis políticos, se observa a alusão ao patrimônio natural.
2 – Esculturas humanas em ferro colorido
Uma das instalações que mais chamam a atenção é a série de figuras humanas recortadas em ferro e pintadas com cores vivas como rosa, azul e verde. Criadas pelo artista italiano Alessandro Padovani, conhecido como Alessandro Pavone, essas obras têm sido chamadas de Social Climbers ou humanos pixelados.
Os corpos parecem construídos em blocos, como se fossem feitos de pixels ou peças de um jogo de montar. Essa fragmentação dialoga com o mundo contemporâneo, em que identidades são formadas em partes, muitas vezes mediadas pela tecnologia. Ao mesmo tempo, as cores vibrantes representam pluralidade, diversidade social e racial, assim como a multiplicidade cultural.
Em movimento, em descanso ou em diálogo, essas figuras criam uma comunidade simbólica dentro da cidade, aproximando o público da arte contemporânea. É o tipo de obra que, assim como Conjunto de estátuas do Encontro Marcado que fica na entrada da Biblioteca Pública de BH, que mesmo não sendo pixels, retratam corpos e não se limitam a decorar: convida o passante a refletir sobre convivência, identidade e coletividade.
Por que a arte no cotidiano importa?
Experiência estética ampliada: em Tirana, assim como em BH, quem circula pela cidade não apenas observa, mas participa da cena urbana, tornando-se parte do espetáculo.
Diálogo entre passado e presente: a homenagem a Skanderbeg une memória histórica e inovação arquitetônica, algo que também vemos na capital mineira quando o passado modernista se encontra com a arte de rua contemporânea.
Acessibilidade cultural: quando a arte se faz presente no espaço público, rompe barreiras, democratiza o acesso e se insere no cotidiano.
Em Tirana, seja nas figuras em ferro colorido ou nas ousadias formais de seus edifícios, a arquitetura e a escultura se abraçam. A cidade torna-se palco de contemplação e interação, onde cada esquina guarda um convite à reflexão sobre o que somos, de onde viemos e como projetamos o futuro.
E, no fundo, esse é também o papel da arte em nossas cidades: criar paisagens que nos façam pensar.
Por: Suelen Ogando