Golpes Digitais e Inteligência Artificial: o Perigo Invisível nas Comunidades
A nova face do crime: quando o golpe ganha voz, rosto e emoção
Nas redes, tudo parece real. Mas será que é mesmo? Em uma era marcada pela velocidade da informação e pela crescente sofisticação das tecnologias digitais, a linha entre o real e o falso está cada vez mais tênue. Vídeos com rostos, vozes e até emoções podem ser gerados por inteligência artificial. O problema é que, enquanto essas inovações encantam e ganham destaque nos grandes centros urbanos, nas periferias elas têm servido de ferramenta para a prática de crimes silenciosos: os golpes digitais, que atingem principalmente as pessoas com menor acesso à educação digital e jurídica. As consequências são reais. Dinheiro perdido, confiança abalada, sentimento de culpa e vergonha. E, na maioria dos casos, nenhuma reparação.
Quando o celular vira armadilha
Mary Alessandra Horta, auxiliar de serviços gerais, foi uma das vítimas. Ela conta que tudo parecia legítimo. “Entrei na internet pra comprar um tênis bonito da Nike, dois por cem reais. O perfil da loja era bonitinho, todo montado, com depoimentos de clientes satisfeitos. Paguei…e até hoje tô esperando.” O que ela viveu é um retrato fiel de um golpe que se popularizou: o comércio falso via redes sociais. Perfis no Instagram ou Facebook imitam lojas conhecidas, usam fotos de produtos originais, criam avaliações falsas e oferecem preços extremamente atrativos. A pessoa compra, faz o Pix e nunca recebe o produto.
O golpe do aluguel e o uso de vídeos falsos
A moradora do bairro Alípio de Melo, Daniela Sabino, relembra com amargura o momento em que percebeu ter sido enganada. “Vi o anúncio de uma casa, fechei tudo pela internet, até vídeo eles mostraram. Dei entrada de três mil reais. Quando cheguei lá não existia nada.”
Neste caso, além do golpe financeiro, há também a dor emocional de um sonho frustrado. O vídeo, feito com imagens de outra residência, foi enviado com naturalidade. A conversa com o suposto dono parecia tranquila, até prestativa. O contrato? Digital. O depósito? Feito rapidamente.
Deepfake: o rosto é de um famoso, a fala é do golpe
O uso da inteligência artificial para fraudes vai muito além de produtos e imóveis. A aposentada Nilcéia Saraiva conta que se assustou com a perfeição de um vídeo que viu nas redes. “Era o cantor Leonardo. O rosto era dele, a mesma voz era dele, mas ele não falou nada daquilo. E agora que sei que dá pra fazer isso, não confio mais.”
Essa tecnologia, conhecida como deepfake, permite criar vídeos em que uma pessoa parece falar ou fazer algo que nunca aconteceu. No início, essas montagens eram usadas para humor ou cinema. Hoje, são utilizadas em golpes de investimento, falsos sorteios ou até para desacreditar figuras públicas.
A desinformação como aliada do crime
O trabalhador do comércio Geraldo Justino tem uma leitura crítica da situação. “Se a pessoa não tiver discernimento, vai cair no fake. A inteligência artificial junta pedaços e cria algo que engana fácil.” Ele está certo. A falta de educação digital torna as pessoas mais vulneráveis. Em muitos casos, a confiança no que se vê, seja um vídeo, um print ou uma notícia é tão grande que não há espaço para dúvida. E é aí que o golpe se concretiza. Com o aumento do uso de aplicativos de mensagens e redes sociais como fonte de informação principal, a desinformação se espalha mais rápido que a verdade.
A percepção popular e a tentativa de se proteger
Eduardo Sudário, estoquista, diz que já aprendeu a desconfiar. “Eu acredito em 50% do que vejo na internet. Procuro filtrar bastante, porque hoje em dia tem muita fake news.”
Mesmo sem formação técnica, Eduardo desenvolveu um filtro próprio. Mas nem todos conseguem. A grande maioria das vítimas se sente enganada, envergonhada e evita procurar a polícia ou registrar boletim de ocorrência. Isso contribui para a subnotificação desses crimes e deixa o campo ainda mais livre para os criminosos.